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Conversas à Mesa

De Moçambique, com os sentidos bem despertos

Acabados de pescar na praia de Chidenguele.

 

Não é "cosa mentale" a minha paixão por África, pelo contrário, é uma relação física que desde sempre sinto no meu corpo. Calor e humidade são as primeiras coisas que me invadem e que, em vez de rejeitar, é imperativo aceitar, incorporar. Depois, vêm os cheiros, a terra molhada, se tenho a sorte de ter caído uma bátega de água. Só então chega a vez dos olhos, que se alegram com o intenso colorido dos panos, cuja principal razão é funcionar como repelente de insectos. 

 

A praia de Chidenguele, junto ao lodge Paraíso, na maré baixa.

 

Quilómetros de praia sem vivalma para um lado


e para o outro.

 

Mas o que leva o meu corpo à felicidade suprema das suas origens primordiais é a água do mar, desta vez as ondas índicas da praia do Paraíso, em Chindenguele, onde estou em casa de amigos, situada à beira da extensa lagoa de Nhambavale e a 1 km da praia por caminho de picada. 

 

A lagoa de Nhambavale, vendo-se a casa amarela onde estive.

 

Do Maputo aqui foram 3 horas de estrada. Pelo caminho ficaram Marraquene, onde Mouzinho de Albuquerque subjugou o revoltoso Gungunhana, a Maragra, praia de surfistas, a Manhiça, onde os Espanhóis criaram um centro de investigação da malária, e as praias de Xinavane e do Xai Xai. Só em África se guiam quilómetros e quilómetros sem ver vivalma, para de repente encontrar um concentração de gente que faz uma feira ou simplesmente caminha em fila indiana pela berma da estrada, sem qualquer povoação à vista num raio de quilómetros. Cruzámo-nos com centenas e centenas de crianças fardadas e não fardadas, de saída das escolas. Cinquenta por cento da população de Moçambique é de jovens e está a ser feito um enorme esforço de escolarização. 

 

Os meninos a caminho da escola.

 

Em Chindenguele, na casa dos meus amigos, tudo funciona na base da descomplicação, à africana, e a comida não é excepção. O produto é óptimo, mas transfigura-se através daquilo que a cozinha moderna apelidaria de elementos emocionais, todos ali à mão-de-semear. No primeiro dia, garoupa grelhada no restaurante do lodge Paraiso com o marulhar das ondas do oceano Índico e o incrível cheiro a maresia, como há muito tempo não me entrava pelas narinas. Ao jantar, frango de churrasco no carvão, temperado com sal, alho e limão e pincelado com leite de coco ao longo de toda a cozedura, e arroz branco destas lezírias, a que já chamaram o Ribatejo moçambicano. A acompanhar, a cor laranja das calcas de capulana do rapaz que assou o frango, o coaxar dos sapitos relas e o barulho da água do lago a bater nos canaviais da margem.

 

A força de umas calças de capulana cor de laranja.

 

Os sapinhos relas (juro que não comi nenhum) têm ventosas e trepam pelas paredes

 

Outro almoco de grelhados: os peixes que hoje de manhã vimos pescar na praia: corvina e peixe da pedra, ainda não sei com que acompanhamento, talvez a recordação de os ter visto sair da água e saltar na areia. O peixe da pedra tem um sabor intenso e amariscado e textura firme, a lembrar o nosso salmonete. Para refrescar ao longo do dia, há sempre ananás em rodelas, comprado na feirinha da estrada, assim como os saborosos cajus grelhados no carvão que aperitivámos.

 

É assim que vendem o caju grelhado no carvão e sem sal ao longo da estrada.

 

O pescador pesa a corvina e o peixe da pedra ali mesmo na praia.

 

Para terminarmos em beleza, lagostas pequenas grelhadas e uma grande cozida em agua do mar, compradas na praia a uns rapazes que as pescaram no recife da nossa praia. Sendo os Melhores do Mundo, o nosso peixe e marisco têm sabor incomparavelmente melhor, é claro.

 

O pescador das lagostas, apanhadas no recife.

 

A praia e as margens da lagoa de Nhambavale têm vários lodges onde se pode ficar. Os bungalows da praia do Paraíso têm uma situação privilegiada, bem camuflados nas dunas.  Mas o que mais me seduziu foi o Nara, um ecolodge feito de tendas de lona suspensas nas margens da lagoa de Nhambavale. 

As tendas de lona do Nara, mesmo sobre a lagoa.

 

A piscina do nara, um lodge muito bem enquadrado na lagoa.

 

Todo o complexo, desde o bar ao Spa, foi construído com elementos da natureza e muito bem integrado. Foi criado por um casal de arquitectos brasileiros, ela de origem moçambicana, que o alugaram recentemente a portugueses. ATT, todas estas instalações são desprovidas de ar condicionado.

A lagoa está rodeada de vegetação luxuriante, onde sobressaem as altíssimas palmeiras. São proibidos os desportos motorizados, mas há canoas e barcos à vela. 

 

O deck do Nara.

 

Um barco de pesca afundado na lagoa.

 

Porém, o verdadeiro entretém é a africanização. O que é isso? É a tal descomplicação total em comunhão com a natureza. É deixarmos o nosso corpo ser feliz. É exercitarmos os cinco sentidos. Há quem goste e consiga. Para os outros, uma recomendação: fiquem na Europa, deixem-nos a  África.

 

O pôr-do-sol em Nhambavale.