O bom pastel de bacalhau, aquele que todos cobiçam mas raramente aparece
Que responsabilidade escrever sobre o pastel de bacalhau perfeito, um ícone da nossa cozinha nacional, reclamado de Norte a Sul, de Leste a Oeste, mas infelizmente desaparecido. Valha-me que antes de mim, já vários o fizeram, a começar pelo José Quitério que, já em 1987, comparava a sua extinção à do lince da serra da Malcata.
Segundo este autor, a primeira referência ao pastel de bacalhau surgiu pela mão de Carlos bento da Maia, no seu Tratado de Cozinha e de Copa, em 1904, sendo referidos como ”Bacalhau em bolos enfolados”, numa receita muito semelhante à actual.
Ao contrário da maioria dos pratos transversais ao nosso país, poucas são as divergências em redor deste pastel que triunfa incontestavelmente sobre croquetes (muito mundanos), rissóis (muito burgueses) e até sobre os pastéis de massa tenra (aqui, a luta já é mais renhida). Porém, ao contrário dos citados que se "comem" bons ou assim-assim, um mau pastel de bacalhau é intragável e um verdadeiro ultraje à nossa portugalidade.
Há muitas divergências na sua confecção e delas dá conta o mesmo imprescindível José Quitério: com ou sem cebola, com ou sem alho, com ou sem claras batidas em castelo. Quanto à forma, há quem os prefira arredondados e quem gosta de os ver trifacetados, com três lados achatados. No Sul chamam-lhes pastéis de bacalhau, no Norte, bolos ou bolinhos de bacalhau.
São muitos os defeitos que podem manchar a reputações deste pastel mandando-o de imediato para a valeta. Qualquer um dos defeitos graves que enumero em primeiro lugar são, no meu caso, suficientes, para, à primeira dentada, o abandonar irremediavelmente.
Defeitos graves
Má fritura
Mais do que um método de confecção, a fritura é uma espécie de mãe que protege o alimento. Ao introduzirmos o pastel na gordura muito quente, o calor rouba a humidade do seu exterior e forma uma capa que preserva a suculência no seu coração. Quando a gordura está pouco quente, o pastel não forma essa capa protectora e esta acaba por penetrar no seu âmago, arruinando completamente sabor e textura.
Espinhas
Para mim, uma espinha no pastel de bacalhau é um NO NO. Primeiro, porque a minha boca, estando preparada para uma textura macia, rejeita liminarmente o pastel quando aparece a dureza de uma espinha. Depois, porque é raro o pastel de bacalhau que tem espinhas, mas é bom: a presença da espinha revela que houve pouco cuidado na sua confecção.
Massa muito aguada
A batata era inadequada para cozer ou foi mal escorrida.
O pastel até levou bastante bacalhau, mas este não foi desfiado da maneira correcta. Para os pastéis é indispensável que este seja desfiado num pano, onde ao mesmo tempo que ganha a textura correcta também vai secando."
Textura muito abatatada, tipo puré
Temos pastel de batata em vez de pastel de bacalhau. Que o bacalhau está caro.
Defeitos menores
Muito grande, muito pequeno
O pastel de bacalhau deve ter o tamanho certo, que traduz a razão entre a capa e a massa e que permite o ponto certo de fritura no seu interior. Se for demasiado grande, o interior fica pastoso, demasiado pequeno, seco.
Muito verde
Demasiada salsa. A evitar. A salsa é apenas um apontamento.
Muita cebola
Em geral, o pastel que leva muita cebola fica com dois defeitos: o sabor aliáceo em demasia e a massa aguada.
Sabor a alho
O pastel de bacalhau, como o nome indica, não sabe a batata, nem a cebola, nem a alho nem a salsa, mas sim ao fiel amigo.
Para terminar numa nota de esperança.. Comi recentemente um pastel de bacalhau perfeito, pena que raramente o tenham na carta. Onde? De Lisboa a Vila Real é um instantinho quando se trata de um pastel de bacalhau com todos os requisitos. Foi no Museu dos Presuntos. E aproveite para fazer o resto da refeição, porque é casa muito recomendável. Um senão - em pleno Trás-os-Montes, o Museu dos Presuntos só tem presuntos espanhóis. Um caso para pensarmos bem na realidade dos nossos produtos regionais.