À BEIRA DO TEJO
Mesmo em dias chuvosos e pardacentos, com o céu cinzento de chumbo a reflectir-se na nossa disposição, é bom sentarmo-nos à beira do Tejo a seguir o movimento e os humores das águas do rio.
E se pudermos estar numa esplanada mesmo em cima do Tejo e a comer uma boa refeição, ainda melhor. Aqui ficam duas opções quase paredes-meias, na zona ribeirinha do Cais do Sodré. Situam-se na mesma fiada de armazéns onde se guardava o sal vindo da outra banda. São o Ibo e o Vestigius.
O Vestigius tem uma faceta de bar, mas também uma carta apetitosa e diversificada, onde saliento as caçarolas apresentadas em lindas tagines negras. Eu experimentei a caçarola Brodetto di Mare, um estufado de camarão e peixe acompanhado de pão de que vai precisar para não deixar nem um pingo do caldo no prato, mas também há um caril de peixe que suscitou a minha curiosidade. Para entradas, uma boa tábua de queijos e enchidos e o presunto com finíssimas fatias de broa de milho foram boas opções. De entrada, provei ainda umas amêijoas à Bulhão Pato, carnudas e de bom molho.
À sobremesa, gostei da torta de laranja e da tarte de maçã invertida com crumble.
O que torna o Vestigius verdadeiramente diferente é a presença da Esmeralda, uma hospedeira encantadora que é proprietária do restaurante. Albanesa de origem, artista plástica por vocação, decorou todo o espaço com objectos que encontrou no armazém de sal há muito abandonado que, juntamente com o marido, se propuseram transformar num bar e restaurante. Quando visitaram o espaço pela primeira vez, ainda este estava cheio de sal e até encontraram o barco que o transportava da outra banda para Lisboa. É essa história que Esmeralda vai sempre contando através do ambiente do Vestigius, sempre em mutação. A cave, local onde estava armazenado o sal, foi transformado numa casa de jantar com uma mesa comprida, mas mantém a emoção de todas as histórias marítimas e comerciais que por ali passaram ao longo dos tempos.
O armazém de sal com a mesa comprida para petiscos
Ali ao lado, mora o Ibo, uma casa segura há muitos anos, um porto-de-abrigo para quem gosta de da comida portuguesa tradicional ou com raízes luso-moçambicanas, com um pezinho na Índia. O tradicional caril de galinha com amendoim, o de camarão ou o caranguejo desfiado, o meu favorito, estão sempre presentes na carta, apesar das mudanças sazonais. O chacuti de cabrito e a galinha à zambeziana também são figuras de proa.
Mas a carta é variada e abriga pratos clássicos da cozinha do mundo, como as vieiras au beurre blanc com tártaro de maçã, que experimentei da última vez que lá estive. Ressalto a boa qualidade das vieiras. Magníficos o ceviche de peixe branco em limão e coentros com milhos fritos e crocantes de batata-doce (entrada), o arroz de garoupa com amêijoas e caldo das cabeças, os lombos de garoupa com molho de curcuma e coentros e o caril de Moçambique com chutneys diversos e pimenta de caxemira.
Também no Ibo há uma pessoa por trás da estabilidade do restaurante, o João Pedro Pedrosa, proprietário e chef que mantém a qualidade desta casa desde a sua abertura, conseguindo fidelizar clientes que, tal como eu, têm saudades da saborosíssima comida moçambicana (não podemos esquecer a presença na lista dos Camarões à Laurentina). Para sobremesa, uma fresquíssima papaia recheada com requeijão e com uma redução de vinho tinto ou o Canudo fino de abóbora em massa filo com gelado de coco.
O Ibo é um dos já raros valores seguros da restauração de Lisboa. Um local onde podemos ir com a confiança de que nunca seremos desiludidos.
Embora dois restaurantes diferentes, ambos são a prova irrefutável da importância do restaurador, porque os restaurantes não se fazem só de chefs.