A CONTINHA
Estou numa esplanada da praça central de Vila Real de Santo António, a comer a chamada qualquer coisa em vez de almoço à séria. Peço a continha, uma forma tão carinhosa e tão tuga de tratar os assuntos de dinheiro, através da sinalética da escrita no ar simulando o uso da caneta (temos de substituir isto por uma forma mais digital, tal como jão fazemos o gesto de discar números para nos referirmos a telefonar). O empregado chega de caneta em riste e escreve todos os itens comidos e bebidos na toalha de papel já pejada de nódoas, faz a soma e diz-me que são X euros. Esta forma sustentável de aproveitamento do papel não é a única curiosa. Gosto também especialmente das contas nas folhinhas de um daqueles bloquinhos com 7cm por 4 cm. Aqui sim, faz juz ao seu nome mais vulgarmente usado, a Continha, que ainda não se acostumou a vir à mesa em formato fatura. Lá chegaremos.
Porém, venha a conta da forma que vier, nunca deixo de a conferir quando sou eu a pagar.
Na minha longa vida de contas, só uma vez o restaurante se tinha esquecido de debitar um item, mas algumas vezes colocou itens a mais, sobretudo nos couverts e nas bebidas.
Na última semana, deu-se o caso de receber duas contas em restaurantes diferentes com um item debitado a mais. Eu compreendo que possa haver enganos, o que não compreendo é que nestes dois últimos casos não tenha havido qualquer pedido de desculpas. Já nos habituámos ao deficiente serviço que tem invadido os restaurantes, mas há limites.
O primeiro passou-se na Adega da Camponesa, em Cacela a Nova, no Algarve. A casa estava cheia e assim que acabámos de jantar, pedimos a conta. Como estava demorada e havia uma fila de espera, levantei-me e perguntei ao chefe da sala se podia pagar de imediato, ao que retorquiu para me dirigir ao balcão e pedir a conta da mesa 13. Lá chegada, estava uma senhora à caixa a quem pedi a conta da dita mesa. A coisa ainda demorou mas chegou e, ao conferir, verifiquei que estava uma caneca de cerveja (3 euros) a mais, e expliquei que não fora nem pedida nem bebida. A resposta foi “Então só beberam água?”. Confessei envergonhadamente a minha frugalidade em termos líquidos e pedi nova conta. “Tem de esperar” foi a resposta, uma vez que já tinha começado a fazer outra conta. Enquanto esperava, chegou a empregada que tinha atendido a nossa mesa, e pediu desculpa pelo engano. Foi rapidamente interrompida pela senhora da caixa com um brusco “Não tens nada de pedir desculpa, estas coisas acontecem”. Paguei e até deixei gratificação à empregada que, pelo tipo de serviço atabalhoado que tinha feito, dava a entender ser recente na profissão. Fiquei triste porque gosto do restaurante, mas depois deste tratamento não me apetece lá voltar. Enfim, pode ser que me lembre mais o belo do peixe do que a história da conta .
O segundo caso, deu-se hoje de manhã numa pastelaria do Cascaishopping, o Jeronymo. Pequeno-almoço, pedi uma torrada e perguntei se tinham pão integral ou de centeio, ao que o empregado respondeu que não fazia ideia, que tinham um pão branco e um escuro, era o que sabia. Calei a minha pedante curiosidade de querer saber mais do ele e pedi a torrada escura e um café. 5 euros e 20 cêntimos. Paguei mas assim que coloquei o cartão achei a conta muito grande. Perguntei ao senhor se havia engano, ao que ele de imediato respondeu que tinha posto 1,80 euros a mais de um pão com queijo. Sem nunca olhar para mim e sem mais nada dizer, devolveu-me essa quantia e começou a atender o cliente seguinte.
Moral das histórias no meu entender e em interrogação: os erros de contas já não merecem desculpa por estarem a ficar recorrentes? Ou tive dois azares seguidos? Qual é a vossa experiência?
NOTA Hoje em dia começa a ser vulgar receber contas com um valor de gratificação incluído. Em Portugal, a gratificação não é obrigatória, pelo que pode sempre optar pelo valor sem gratificação e não a deixar, ou deixá-la à parte.