A LIÇÃO CONDIMENTÁRIA DE LAFFAN
Condimento é tudo aquilo que pode ser usado para dar sabor aos alimentos, seja ele um molho, uma especiaria e por aí fora.
Saber condimentar não é fácil, estando esta arte muitas vezes mais sujeita a modas do que ao bom senso. Os romanos abusaram do garum, os medievais, das especiarias. Nós abusamos do sal e somos muito influenciados pelas tendências do momento. Por vezes, aplica-se a mesma vestimenta condimentária a todos os produtos de uma carta ou de uma refeição, transformando-a numa relação monótona.
Serve esta introdução para lhes dizer que almocei recentemente pela mão de um chef que é mestre na arte de condimentar e de nos surpreender com os condimentos. Trata-se de Miguel Laffan, o responsável pela estrela Michelin do restaurante L’And, do hotel L’And Vineyards, em Montemor-o-Novo.
Da última experiência que tive no L’And recordava a mestria com que Laffan tratava todos os legumes dos pratos que provara, sobretudo a beterraba, que estava de época.
Desta vez, agradou-me muito a cozinha do Miguel Laffan pelo inteligente e atraente uso que faz dos condimentos que, além de molhos ou especiarias, podem ser também produtos como, por exemplo, citrinos. Laffan usa os condimentos para imprimir surpreendentes e agradáveis mudanças de ritmo no menu de degustação que provei. À maneira clássica, este tipo de menus tem um ritmo crescente, baseando-se numa determinada relação harmónica entre os pratos. O Miguel consegue quebrar essa harmonia com pratos dissonantes ou com uma dissonância no interior de cada prato. Alterna pratos muito clássicos e portugueses, como o salmonete, com pratos orientais, como o tom yung kum de carabineiro, ou introduz casamentos surpreendentes nossos e orientais, como no caso do borrego. A sequência tem uma lógica de sabores, mas torna-se mais surpreendente. Vejamos.
A abrir as amêndoas com inesperado sabor a caril são já uma imagem de marca do Miguel Laffan e alertam-nos logo para o seu uso inesperado dos condimentos.
Na mesa, pão com manteiga de ovelha e azeite a marinar uma folha de shiso. Esta planta japonesa de folhas serreadas é doce e picante ao mesmo tempo e não está ali só para enfeitar, mas sim para ser comida (experimente plantar o shiso em vaso e usar num pesto ...).
A iniciar, vieiras sobre a dita folha de shiso, galanga, picle de soja, pepino manjericão e lima. A riqueza de todos estes produtos a viverem em função da textura da vieira, que condimentam.
Seguiu-se a sopa de peixe, rissol de bacalhau com massa de tinta de choco e ostra, um conjunto de três entradas das quais quero salientar o já clássico rissol de bacalhau com a massa negra da tinta de choco, um apetite.
Depois, um entrada luxuosa, com uma combinação invulgar: cabeça de xara com tártaro de lagostim, erva-príncipe e gengibre, puré de funcho, salad de cenoura com bergamota e caviar, um terra e mar, um humilde produto nosso que combina na perfeição com o lagostim e os condimentos tailandeses. A primeira dissonância.
Nova dissonância: a empada de caça em versão levíssima com a massa do pão chinês e o molho do assado com trufa (a lembrar as empadas de molho de Arraiolos, em que este é adicionado no fim, pela chaminé da massa), coulis de maracujá e caril de Madras e foie gras ralado.
Salmonete de Setúbal com açorda de berbigão, lulas salteadas e caldo de caldeirada. Voltamos à terra com todos uma complexidade de sabores familiares muito bem conseguidos.
Mais uma vez, a dissonância condimentária. O borrego da terra é grelhado e envolvido em condimentos tandoori e acompanha, puré de batata-doce e limão e espinafre e açafrão. Ao lado, um estufado de lentilhas com hortelã. Os condimentos de tandoori (garam masala, alho, gengibre, cebola e pimenta-de-caiena) tomam o lugar de um pão ralado com que se protege a carne antes de a confeccionar, ao mesmo que lhe instilam sabor.
Génoise de frutos vermelhos com um gelado de café, creme de amaretto, chocolate branco e preto, numa sobremesa inspirada nas camadas do tiramisu.
E uma sobremesa linda para finalizar, toda ela em tons de rosa e vermelho e com as framboesas em diversas texturas.
Mignardises
Os vinhos que acompanharam o menu de degustação
O chef Miguel Laffan
Obrigada mais uma vez ao Mário Cerdeira pelas fantásticas fotos.