À TERRA E AO MAR NOS AÇORES
Para Cláudio Pontes, a cozinha é uma missão. A missão de divulgar os produtos da sua terra e de os servir com todo o sabor no restaurante À Terra, no primeiro andar do hotel Azor, na lindíssima marginal de Ponta Delgada. Quando Cláudio diz que cozinha com os produtos açorianos não está a fazer uma afirmação mediática. Ele não só usa os produtos mais divulgados como corre as ilhas à procura de outras que estão à espera de serem descobertos. Hoje, após a moda da cozinha da avó, surgiu a louvável intenção de centrar a cozinha em redor do produto e da sua respectiva época. Louvável, porque é o produto que, basicamente, define uma cozinha e permite a regionalidade. Porém, todos sabemos que esta atitude de defesa do produto pelos cozinheiros nem sempre é real, limitando-se algumas vezes ao virtual. As razões são várias, nomeadamente ser difícil ou complicado arranjar o tal produto e o preço do tal produto. Cláudio Pontes não se deixa desanimar com dificuldades e percebeu que a relação com os produtores não é unilateral. Há que haver uma colaboração e esta será, por definição, sempre bilateral. Tomemos o caso da Biokairós, uma microempresa de frescos biológicos que emprega pessoas em risco de exclusão social. O chef não se limita a encomendar à Biokairós os produtos que lhe fazem falta. Ao contrário, é ele que adapta as ementas do restaurante e do hotel em geral à produção desta empresa, que por, sua vez, responde esforçando-se por também cultivar o necessário à sua cozinha. E depois há os queijos, do Rei dos Queijos, com a sua sábia afinação, a açafroa, os nabos de Santa Maria, as algas e as alófitas das praias, o mundo vegetal da BioFontinhas, na Terceira, o bolo lêvedo e a massa sovada, os chás, o tabaco, a pimenta da terra, os araçás, o limão-galego, o ananás e até o café. Ou um pão tradicional cozido num tacho embrulhado numa toalha branca nas entranhas das caldeiras da Ribeira Grande, com muito pouco aroma sulfuroso (imagem em baixo).
Queijo branco com pimenta da terra
Ovo do campo em espuma de batata
Chicharro do alto alimado com creme de beterraba bio
Na minha última visita a Ponta Delgada, na ilha de S. Miguel, fiquei mais uma vez hospedada no encantador hotel Azor e tive o prazer de almoçar no restaurante À Terra e voltar a encontrar este conceito do Cláudio Pontes em cada elemento de cada prato que experimentei, onde surgem enriquecidos através da técnica ou da sua combinação com outros. Cada vez mais vejo o Cláudio ser mais contido com o número de elementos visíveis no prato e mais virado para intensificar o seu sabor. Todo este conceito é hoje comum, mas Cláudio Pontes é muito bom em todo o percurso, desde a procura e aproveitamento dos melhores produtos locais às técnicas usadas, passando pelo modo como desta combinação consegue retirar o melhor sabor. O prato forte do almoço foi a carne dos Açores IGP maturada. Esta protecção jurídica comtempla bovinos nascidos criados e abatidos nos Açores e nada menciona acerca da sua raça. A corpulenta raça Ramo Grande, autóctone da ilha Terceira e com ascendência mirandesa, raramente aparece para comércio, mas o chef quer começar a trabalhar com ela. Tem feito experiências com a maturação a seco de vários cortes de carne provenientes de bovinos com idades variáveis, embora prefira os animais mais velhos, em redor dos oito anos, e com outras raças, como a charolesa ou a black angus. Se quer saber mais sobre este processo e as experiências de Cláudio Pontes veja os dois esclarecedores posts do blog Gastrossexual (aqui e aqui).
Costeletão e T-bone foram as duas peças de carne maturada (30 e 45 dias) servidas ao almoço, o que significa que as enzimas tiveram mais de um mês para mexer com as proteínas, tornar a carne mais tenra pela quebra das fibras e fazer aparecer novos sabores. Em suma, durantes estes dias as enzimas vestem a jaleca e cozinham a carne a frio, provocando mudanças na textura e uma maior complexidade do sabor, uma nota de frutos secos e alguma mudança no sabor da gordura, que se torna ainda mais agradável e adocicada, detectando-se ainda em a latência dos sabores que acompanham qualquer envelhecimento proteico (e que habitualmente podem servir de alarme para evitarmos a «podridão»). A acompanhar as carnes houve batata doce frita com casca e polvilhada com fios de queijo de S. Jorge e diversos legumes cozidos.
Uma refeição do Cláudio Pontes é um prazer enorme de uma ponta à outra e esta não foi excepção. Gostaria de ver à mesa mais loiças bonitas, como as Costa Nova. Uma última palavra para o serviço: gente nova, mas com um gosto visível pela profissão que desempenha e profissionalismo, coisa rara de se ver hoje. Adorei ver as meninas muito bem penteadas e arranjadas, com os cabelos apanhados. E umas fardas muito bonitas e informais, que condizem com o espírito do hotel: serviço sempre e sempre sem complicações. Parabéns ao director, Pedro Alvellos, que tem feito um trabalho admirável.
Obrigada ao Mário Cerdeira pelas fotos.
À TERRA - Hotel Azor
Av. Dr. João Bosco Mota Amaral, 4
Açores São Miguel 9500-765
Tel: +351 296 249 900
Deixo-vos aqui esta série de poderosas fotos de carne maturada do À TERRA, da autoria de Mário Cerdeira.