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Conversas à Mesa

DAS ORIGENS PARA O À TERRA

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Estou na ilha açoriana de S. Miguel dentro de uma carrinha com a equipe de cozinha do hotel Azor, capitaneada por Cláudio Pontes, e com dois outros chefs, Henrique Mouro e Vasco Lello. Seguimos rumo a uma praia nos arredores de Ponta Delgada, que acaba por ficar pontilhada por todas aquelas jalecas brancas fazendo recolecção de ervas e outras plantas: espinafres, bem carnudos, nastúrcios, folhas e flores, planta do gelo, com o seu sabor salgado e meio amariscado, arroz do mar, com as suas folhinhas redondas e carnudas em forma de bago, tudo chega em braçados que os cozinheiros acarinham com orgulho. Todas elas eu irei encontrar no meu prato, nessa noite ao jantar no restaurante Á Terra do hotel Azor, justamente apelidado de «Das origens para o À Terra». 

Para continuar a fazer jus ao conceito, seguimos para o Rei dos Queijos, o maior distribuidor da ilha, onde os chefs escolhem diversos queijos de S. Jorge e de S. Miguel, todos eles gigantescas rodas mais ou menos curadas. 

O nosso últtimo destino é uma ONG, a Biokairos na Quinta do Priôlo, onde se desenvolve um projecto de agricultura biológica empregando pessoas com deficiência. A ajudar está o célebre Avelino, uma das personalidades mais famosas no arquipélago pelo seu saber profundo em relação a plantas. Este homem apaixonante de fala tem um projecto de agricultura biológica na terceira, o BioFontinhas. Já estive com ele algumas vezes e quando me separo dele fico cheia de pena de não poder passar temporadas só a ouvi-lo falar de plantas e de alimentação. 

Daqui, os chefs recolhem rabanetes pretos, pequenas folhas de acelga, rebentos e até folhas de bananeirs. Esta procura e incorporação dos produtos locais é característica da cozinha dos três, que têm em comum terem sido sous-chefs de Aimé Barroyer.

O jantar, que desde o segundo dia divulgação já tinham os seus mais de setenta lugares esgotados foi magnifico. Teve uma estrutura (infelizmente ausente de muitos destes eventos a várias mãos), um crescendo, tendo a sua intensidade ido sempre a subir até ao último prato de carne, o osso buco, um claro fortissimo. Teve uma lógica, apresentando-se como um hino aos produtos dos Açores, sempre reconhecíveis e valorizados. Teve uma vertente vínica, de harmonização comida/vinhos, que se conjugaram de forma muitas vezes surpreendente e nada clássica. Alguns deles eram de António Maçanita, talvez os mais "fora da caixa". Lá voltaremos. E, last but not least, teve o sabor que só cozinheiros com o talento destes três conseguem pôr no prato. É tranquilizador ver que há cozinheiros que conseguem valorizar as cozinhas regionais portuguesas com boas técnicas, novos conceitos, como o recurso a ingredientes biológicos, e práticas de cariz social, como a colaboração com pequenos produtores com quem mantêm relações permanentes e a cuja disponibilidade conseguem adaptar-se, mantendo-se sempre fiéis ao sabor. Termino com uma pergunta: por que razão havemos de perseguir a surpresa e a novidade em influências importadas e muitas vezes descaracterizadas quando afinal tanto uma como outra podem encontrar-se cá dentro, haja talento conforme ficou provado neste jantar por Claudio Pontes, Henrique Mouro e Vasco Lello?

Seguem-se as fotos dos pratos, da autoria de Mário Cerdeira, e a descrição dos vinhos nas legendas. Pena que não vos possa transmitir o sabor.

O director do hotel, Pedro Alvellos, manifestou a intenção de prosseguir com este tipo de evento em 2018. 
 

 

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Biokairos06©MárioCerdeira.jpgCinco imagens da Biokairos, na Quinta do Priôlo. 

 

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Novilho sobre trigo ou a vaca no seu pasto: cornetos recheados com carne

 

Chef Vasco Lello_Moreia50©MárioCerdeira.jpg

Chips de moreia

Sexy Sparkling Gold (espumante servido com todos os amuse-bouche)

 

 

Chef Vasco Lello_Lirio51©MárioCerdeira.jpg

 

Vasco Lello: Lírio em tabaco micaelense, leite fermentado e funcho. Uma soberba forma de entrar na refeição, quase uma espécie de pequeno-almoço nórdico com o leite e o fumado. A folha de tabaco, cultura que já foi muito importante nos Açores, leva-nos para a época em que tanto a Madeira como os Açores eram o campo experimental dos produtos trazidos dos trópicos. 

 

 

Chef Henrique Mouro_Lula54©MárioCerdeira.jpg

Henrique Mouro, Lula gigante, milhos das ilhas e BioFontinhas a trincar. A lula em várias texturas, grelhada e panada, com o adocicado do milho e o crocante das bagas vermelhas de milho rei, um doce/salgado, reforçado este último as planta do gelo. 

Rosé Fita Preta Non Millésimé Um Rosé notável, non millésimé porque não tem ano, resultando de diversos rosés de características diferentes que o tornam único. Belo casamento, tudo em tons claros, sem agitações.

 

 

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 As lulas gigantes acabadas de chegar à cozinha.

 

 

 

 

Chef Claudio Pontes_Espadarte57©MárioCerdeira.jp

Cláudio Pontes: Espadarte do canal, lapas e cebolas do mar. O peixe afirmando-se em toda a força da sua textura, que até faz empalidecer as lapas. 

Socalcos do Bouro, Loureiro 2016, verde DOC, a casta Loureiro a eplicar por que razão se vem impondo cada vez mais.

 

 

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Vasco Lello, Peixe rei com o rei ananás e os minhotos. Aqui começa a refeição a escalar, e nós a pensar como pode o prato seguinte ser ainda mais intenso. O que é certo é que até ao fim foi sempre a subir. Os três últimos são aliás os meus preferidos. aqui, o peixe rei, um peixe colorido tipo bodião, faz frante ao molho de intensidade cárnica e recebe a frescura e salinidade das folhas de espinafre cruas apanhadas na praia. 

Palpite Branco 2016 (Alentejo)

 

 

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 Peixe rei

 

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Henrique Mouro: Coelho regional, feijão arroz e nabos de Santa Maria: Prato excepcional, facilmente identificável com o Henrique, com coelho da região, os magníficos nabos de Santa Maria, só quem prova é que percebe, e o minúsculo feijão arroz

Isabella A Proibida, 2016. Para mim, uma das melhores harmonizações da refeição, com esta uva da região identificada pelo «proibida» a brilhar.

 

 

Chef Claudio Pontes_OssoBuco56©MárioCerdeira.jpg

Cláudio Pontes, 100% osso buco, araçá e alho-roxo. A carne de vaca estufada até se desfazer, os sabores do tutano com a espuma de alho e a acidez do araçá a deixarem saudade da refeição neste último prato que seria um fortissimo em linguagem musical. 

Socalcos do Bouro Tinto, verde DOC, com a casta Vinhão, a sua acidez e a incrível cor, a fazerem as honras ao fortissimo do prato, representando alguma ideia do palato vínico português.

 

 

Chef Pastelaria João Araujo_Sobremesa59©MárioCe

João Araújo, chef pasteleiro: Tamarilho cheio de salva ananás para sugar. Uma pré-sobremesa de frescura 

 

 

Chef Pastelaria João Araujo_Sobremesa58©MárioCe

A Horta Biokairos, da equipa doce surpresa do Ivan. Uma forma leve de acabar a refeição com diversos legumes, abores e texturas e uma homenagem à Biokairos. 

 

 

 

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Cláudio Pontes, vindo do Tavares, Aviz e do Douro Azul, para chef executivo dos hotéis Azor: um em ponta Delgada e outro nas Furnas

 

 

 

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Henrique Mouro, ex Assinatura e Bagos, os dois últimos, a iniciar agora o seu trabalho no Areias do Seixo.

 

 

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Vasco Lello, ex Pestana Palace e Flores, do Hotel do Bairro Alto, actualmente no Café Colonial do Hotel Memmo.

 

 

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