DONA ANA FAZ CALULU EM SÃO TOMÉ
O Calulu de S. Tomé e Príncipe é uma espécie de antigo nutracêutico, bem representativo da filosofia de Hipócrates, o grego que nos aconselhava a fazer da comida os nossos medicamentos. Feito a preceito, o calulu quando leva mais de 40 plantas diferentes e, se nenhuma planta é tão inocente como pode parecer, imagine-se uma simbiose de quatro dezenas delas em franca convivência! Como essas plantas são geralmente colhidas em plena natureza por quem as vai cozinhar, é bom que essa pessoa saiba bem o que está a fazer. Há quem me tenha aconselhado a só comer calulu feito por quem tenha mais idade. «Só como calulu pela mão da minha avó» ou «só confio na minha mãe para me fazer o calulu» e até «antes de comer o calulu, pergunto sempre a idade de quem o cozinhou» foram afirmações peremptórias que ouvi no arquipélago.
Há calulus em Angola e em S. Tomé, cada um deles com as suas características. No Brasil há um prato dos tupi-guarani com algumas semelhanças denominado caruru.
A D. Ana, cozinheira no Passante, o restaurante ao lado do hotel Pestana Miramar, quis mostrar-me como se faz um calulu como deve ser. Quando entrei no Passante, cá fora estariam 31º, mas com uma humidade superior a 90%. Lá dentro, não sei, mas com o fogão a carvão a trabalhar em pleno na cozinha estava um pequeno inferno. Sobre as bancadas acumulavam-se as plantas para o calulu. A minha primeira tarefa foi separá-las uma a uma sobre uma mesa e identificá-las. Os nomes são sugestivos e exóticos: pega rato, guimboá do mato, folha preta, folha tartaruga, folha fraqueza, língua de vaca, rosabilanza, pau pimenta, alfabaca, otage, mússua, maquequim e a indispensável folha mosquito, que se acrescenta no fim. Contei em redor dos quarenta diferentes plantas. É o somatório de todas elas mais a sua interacção que torna o calulu uma comida tão especial, tão curativa do corpo e da alma.
O ingrediente principal é geralmente o peixe seco, andala, voador, atum ou ful-ful, mas também se usa o camarão do ri e o búzio do mar. Dona Ana começou por colocar no panelão a cebola, o tomate, sal, azeite de dendém, quiabos, fruta pão. Em seguida, todas as plantas embrulhadas numa folha de bananeira atada, tipo ramo de cheiros. Passado duas horas, retira-se a fruta pão e as folhas e pisam-se. Adiciona-se o peixe (sem espinhas), ferve mais uma hora e junta-se a fruta pão e as folhas pisadas para engrossar o calulu e volta a ferver. Juntam-se a têmpera (pimenta branca) e «fecha-se» o calulu com farinha de mandioca. Acompanha com arroz, fuba de milho e/ou angú (banana pisada no pilão).
Com o calulu bebe-se vinho tinto, embora uma Roseima, a cerveja santomense, seja cada vez mais popular.
É um prato que vale a pena experimentar pela combinação entre os sabores extremamente vegetais, algum aroma a terra, e o salgado do peixe.