FIFTY SECONDS
Nunca tinha ido à Torre de Vasco da Gama, nem sequer ficado cá em baixo a olhar para ela. Falta minha, porque a torre em si é uma obra de arte. Quando resolvi ir com um grupo de amigos ao Fity Seconds fiquei duplamente feliz pelo almoço e pela visita à torre.
Adoro o nome deste restaurante que Martín Berasategui abriu em Portugal, a juntar ao seu portefólio de mais de uma dúzia: 50 segundos é o tempo que o elevador leva a chegar a um mundo deslumbrante em que o panorama, a decoração e a hospitalidade nos cativam de imediato. Trata-se do restaurante de Martin Berasategui, um ano e meio de idade e uma estrela Michelin entre as 12 que os restaurantes do chef basco já possuem, entre eles o navio almirante, em Lasarte, perto de San Sebastian, com 3 estrelas.
As mesas estão dispostas em redor do semicírculo virado para o rio, proporcionando uma vista que nos alegra, esteja sol ou chuva.
Até as cozinhas, todas envidraçadas, têm indubitavelmente a melhor vista de Lisboa, viradas para a cidade e para o Trancão.
Na decoração sobressai a cor de latão, nos lustres, nas lindíssimas garrafeiras ou nas mesinhas de apoio. Ou na casa de banho, onde os vidros de alto a baixo permitem ver a ponte e o rio (eu sei que toda a gente lava as mãos antes de se sentar à mesa, mas recomendo vivamente essa lavagem).
O meu grupo de amigos optou pelo mesmo menu para todos, com um preço de 140 euros sem bebidas. Beberam-se 3 garrafas de vinho e no fim a conta ficou em 190 euros por cabeça.
A cozinha do restaurante está a cargo do chef Filipe Carvalho, cuja formação se fez com vários chefs de renome, nomeadamente Bóia, Vincent Farges e Koschina, e no Lasarte, em Barcelona, onde trabalhou três anos com o chef Berasategui.
Os pratos estão todos comentados nas respectivas legendas. Pessoalmente, gostaria de ver menos cremes e riscos nos pratos, trocando-os pelos mesmos legumes noutros estados mais visuais e com mais texturas.
A refeição foi extremamente agradável, também pelo excelente serviço, de um 3 estrelas, comandado pelo director de sala, Inácio Loureiro. Um trabalho incrível que passa por pormenores que fazem toda a diferença (o manuseamento dos talheres com luvas brancas, por exemplo, como antigamente era costume usar ao longo de todo o serviço de mesa). Todos os pratos são lindíssimos, únicos. Os copos são de uma finura e leveza que até emocionam (da marca alemã Zwiesel).
Pão de massa mãe, focaccia e brioche com manteigas de diversos sabores e flor de sal
Aperitivos: no sentido dos ponteiros do relógio: gamba do algarve com ponzu, folha de piza com burrata parmesão e manjericão, creme de abacate, santola, tomate confitado e crotões de pão, crocante de topinambur tartaro de vieira pera e pimenta da jamaica. Óptimos aperitivos, com uma enorme diversidade de sabores. Eu sei, a mim também me faz confusão uma legenda tão grande e tantos sabores num centimetro quadrado de comida, quase parece a densidade populacional de Tóquio, mas é isso que me atrai neles.
Brandade de bacalhau com maionesa de manzanilla e yuzu, um dos clássicos de Berasategui. sabor concentrado e textura cremosa.
Mil-folhas caramelizado de foie gras, maça verde e enguia fumada. Mais um clássico, mais uma textura incrível. Uma ementa do chef basco sem este mil-folhas é como ir a um concerto dos Rolling Stones e eles não cantarem o Satisfaction.
A refeição acompanhou até aqui com este espumante da Bairrada, com um leve sabor a maçã verde e muita frescura.
E agora o célebre tété a baixa temperatura que nos atormenta desde há uns anos para cá, muitas vezes misturado com trufa (Gema de ovo em carbonara de ervas , lâminas de beterraba e carpaccio de papada. Lâminas de trufa. Apesar de não ser grande fã deste tipo de pratos, gostei deste. A função da gema é dar cremosidade e ligar o que está no prato, pelo que é aconselhável desfazê-la e misturar com os restantes elementos.
Vieira corada, creme de couve flor e cebolinho, espuma de manteiga noisette e vinagre de xerez, caviar Oscietra (a classificação dos caviares fica para outro post, mas adianto que este tem origem na China; se fosse russo do Mar Cáspio custaria 25 000 o quilo). um dos pratos de que mais gostei pela combinação do sabor da manteiga com a couve-flor e do caviar com a vieira. Este vai fazer companhia àqueles que ficam na minha memória.
Este branco de terras de xisto do Douro acoampanhou os pratos de peixe.
Pescada grelhada, cebola trufada com amêijoas, polenta de salsa e jus de aves acidulado. O peixe extraordinário. Pena que a pescada já quase não exista nas nossas águas frias.
Lombo de novilho assado na brasa, acelgas e bombom de queijo. Talvez o prato que menos me impressionou, a carne um pouco sozinha, a necessitar de outros reforços texturais.
Este ET (de Encruzado - de uva branca - mais Touriga Nacional) é de uma região que está em alta, o Dão. Fiquei apaixonada por ele.
Romã, framboesa e amêndoa. a pré-sobremesa fresquíssima a limpar a boca com uma combinação de sabores e texturas simples, mas magníficos. Muito bom.
Outro prato icónico de Bersategui baseado na popular torrija, semelhante à nossa rabanada, mas mais parecida com a french toast (na minha opinião, a nossa rabanada é superior à torrija espanhola). A base é o pão de brioche passado em leite, açúcar e ovos, sendo caramelizada numa frigideira em manteiga e açúcar. A torrija do chef basco, a mistura do leite leva natas e é finalizada com uma cobertura de creme de pasteleiro e amêndoa e caramelizada com o ferro de queimar. No caso vertente, apresenta-se coberta com uma dispensável folha de ouro e acompanha-a um gelado de café, uma excelente combinação. A rematar uma bolacha a saber a cappuccino.
Sempre admirei o cuidado que os pasteleiros colocam nesta última fase da refeição, produzindo verdadeiras obras de arte, a que não conseguimos resistir mesmo depois de uma ementa com inúmeros pratos. o seu tamanho e a sua perfeição encantam-me. gostei do pormenor da simples ed maravilhosa framboesa a que foi dado o estatuto de mignardise.