GRANDES ALHADAS NAS ALHEIRAS
Anda muita gente preocupada (incluindo eu) com a semântica da alheira. Será que um produto com IGP, protecção recentemente conquistada pela Alheira de Mirandela, pode emprestar o seu nome a um produto que leva bacalhau (alheira de bacalhau), só legumes (alheira vegetariana) ou até soja (alheira de tofu)? Afinal estas questões linguísticas revelam-se completamente dispiciendas face ao verdadeiro problema que aflige as alheiras e que também nos deveria afligir. E esse problema foi revelado num recente estudo da DECO sobre alheiras industriais, é surpreendente e pode traduzir-se numa palavra nada equívoca: logro.
Aqui fica o link para esse estudo, que para qualquer consumidor de enchidos será interessante ler, uma vez que contém observações sobre os teores nutricionais sobre os quais não me debruçarei aqui - http://media.deco.proteste.pt/download/8f2e0d6d72ac1fc93d3b033232e56c2d08a9e409/tmp221f.pdf
Nas alheiras de caça, que custam o dobro das outras em média, confrontamo-nos com o chamado gato por lebre. Isto ainda por ora em expressão figurada, porque na realidade é mais frango, porco ou vaca por lebre, faisão ou perdiz. Vejamos apenas alguns exemplos referidos pela Deco:
“No produto de caça Terras do Vento Leste não detetámos perdiz, como anunciado. Mas não é tudo: para uma alheira de caça, o frango representava quase 70% das carnes utilizadas. O pato vinha indicado com 12%, mas só contribuía para 1% do total das carnes.”
“Na alheira Artefumo, o coelho e o faisão referidos no rótulo eram uma miragem. O porco representava a quase totalidade da carne analisada (95%), com o veado nos 5 por cento.”
“Também a Casa da Prisca de caça não referia frango, mas este constituía mais de metade do total de carnes encontrado. O veado que, em conjunto com o javali, aparecia indicado como ingrediente principal, afinal só representava 5% do total da carne.”
Como vemos, há carnes que são mencionadas e das quais nem vestígio existe. Quando uma alheira de caça é constituída em termos cárnicos por quase 70% de frango, será preciso dizer mais?
Em relação às alheiras normais, a confusão com a bicharada é mais que muita. “Por exemplo, na alheira tradicional Casa da Prisca, descobrimos frango quando o rótulo apenas indicava conter porco.”
“A alheira Beira Lamego anunciava conter aves, mas só detetámos porco. A alheira Fumadinho não mencionava vaca, mas as análises revelaram ser a principal carne incorporada (49% das espécies).”
Estes são alguns dos exemplos, mas no estudo há muitos mais. Por outro lado, foram também detectados “vários problemas na higiene e conservação.”
Louvável continua a ser a intervenção da DECO. Quanto à ASAE, talvez esteja mais preocupada em saber se as alheiras foram mexidas com uma colher de pau.