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Conversas à Mesa

HEIDEGGER, O TÉDIO E O MENU DE DEGUSTAÇÃO

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As férias deram nisto. Uma reflexão sobre o menu de degustação cruzada com o tédio segundo Heidegger.

Muito na moda a partir do final dos anos 70 do século XX, os menus de degustação são refeições pré-estabelecidas pelos chefs de cozinha, constando de um vasto conjunto de pratos em pequenas porções que constituem refeições pré-equilibradas sob o ponto de vista nutricional e da sequência dos sabores. Ao comensal é retirada a responsabilidade da escolha desses pratos e, geralmente, dos vinhos que com eles se harmonizam, introduzindo também um elemento teatral de surpresa.

Para a mesa, o comensal traz tão-só um imenso tédio, que lhe permite abandonar-se a uma refeição que nos preencha o vazio de estar à mesa. A refeição deixou de ser pretexto para a conversa. A única que se permite é justamente sobre a própria refeição. Pelo contrário, requer-se até concentração para podermos apreciar a comida enquanto forma de arte.

A sequência dos pratos em ordem pré-estabelecida transforma-se na cronologia da nossa vida. Amuses-bouche, entradas, pratos principias, pré-sobremesas e sobremesas fazem tiquetaque como um relógio instalado, não nossa barriga mas nas nossas cabeças. Muito depois do relógio do estômago ter ficado sem corda, o da nossa cabeça continua curioso à espera de preencher completamente esse tédio, que, no entanto, se continua a escoar por entre os minúsculos intervalos de tempo que pontuam a chegada dos pratos.

Se o tédio heideggeriano é resultado do grande vazio gerado pela profunda crise económica dos anos 30 na cultura ocidental, o tédio dos anos 70 do século XX será provavelmente gerado pelo nosso afastamento da verdadeira comida de raízes provocada pelo aparecimento da fast food e da industrialização. E esse tédio não se resolve à mesa, nem com os mais elaborados menus de degustação, mas sim no silêncio, na monotonia, nos tempos de confecção, nos sabores e nos aromas das nossas cozinhas. É a cozinhar, e não apenas a comer, que faremos as pazes com a comida. É a cozinhar, e não apenas a comer, que resolvemos os nossos tédios e enfrentaremos os problemas de excesso de peso e de obesidade e as nossas compulsões.