HUMM
Acho que é opinião comum que há demasiados progamas de cozinha, desde os concursos às receitas. Oiço até dizer que, em geral, se ouve falar muito de cozinha e cada vez se come pior.
Discordo. Não há dúvida que se fala ultimamente muito de cozinha, desde que os espanhóis a elevaram a arte. Vê-se cozinha como se vê futebol, pelo movimento e não para aprender a jogar. Daí que os programas em que supostamente se ensinaria a cozinhar sejam shows, em que se combina uma mistura de porn food com crime food, em que os apresentadores encarnam personagens pouco credíveis, com famílias maravilhosas ou vidas holiodescas. (A talhe de foice, aproveito para dizer que gostei de ver o programa da Filipa Gomes, o Prato do Dia. Ela conseguiu criar um personagem, por vezes um nadinha exagerado nos ademanes, e tudo o que cozinha tem lógica e boa apresentação. Já não gosto tanto de a ver no programa da camioneta). A um ritmo diabólico em que mal conseguimos apreender a sequência de imagens, só temos olhos para ver os legumes a serem esfaqueados, o limão a escorrer em fio, ao liquidificador a triturar brutalmente coisas coloridas ou, last but not least, o decote da Nigella ou da sul-africana Siba. No fundo, é tudo pulsões primárias, ficam bem juntas. Discordo e até acho que devia haver mais programas, mas daqueles em que qualquer pessoa interessada pode aprender muito, como era o Sentido do Gosto, de José Bento dos Santos. Deixou muita gente com pena de não o ver mais na televisão.
Embora muito raramente veja um concurso de cozinha, às vezes deito o olho a um programa de receitas ou a um show, tipo Bourdain. Uma coisa que me irrita é o constante HUMM, está uma delícia, cara de experiência extrema de felicidade mística, quais santas teresas de Ávila trespasadas pela espada. Ainda não perdi a esperança de ver um desses provadores ou cozinheiros a cuspirem tudo cá para fora, a dizerem uma boa asneira e a fazerem a cara da impagável Ina Garten, a condessa descalça.