JANTAR NO CINEMA
A última vez que lá estive dentro foi há muitos muitos anos, para ver um filme cantado com a Madalena Iglésias e o António Calvário, O Sarilho de Fraldas, após uma dura negociação com a minha mãe, pouco entusiasta deste tipo de histórias. Pouco depois, este cinema encerrava as suas portas. Após o 25/4 sobreviveu à base dos filmes pornográficos, tal como o seu vizinho da frente, o Politeama. Estou a falar-vos do Odeon, uma sala de cinema que inaugurou na década de 20, quando a zona da baixa lisboeta em torno dos Restauradores brilhava com as luzes de vários clubes nocturnos, como o Negresco, o Maxim’s ou o Majestic.
O Odeon era famoso pela sua galeria metálica envidraçada, pelo lindíssimo tecto em madeira exótica e pelo frontão de palco Art Déco. Célebre era também o enorme lustre que pendia desse tecto de pau-brasil, infelizmente roubado e desaparecido. De início lá passavam grandes filmes, dirigidos por Eisnstein, Ford ou Cukor, mas a grande fama do Odeon fez-se à custa de filmes portugueses, espanhóis e mexicanos, Joselito, Polegarcito, Marisol e Cantinflas.
Propriedade de diversos sócios, o Odeon esteve à venda durante muitos anos e teve vários projectos não concretizados, até que recentemente foi comprado por uma empresa que o transformará em seis apartamentos, um restaurante de topo (cujo tecto será o tal em madeira exótica) e um bistrot (no palco).
Foi neste cenário completamente delabré que teve lugar mais um jantar Silver Spoon, uma empresa dinamarquesa dirigida pela adorável Tiffany que tem o maior faro para descobrir sítios improváveis como, por exemplo, estações de metro ou prédios abandonados, para local de jantares temáticos. Cada um destes locais é meticulosamente preparado, para que tenha as condições de higiene e segurança indispensáveis, mas sem perder o desconcertante ar de abandono. Cada refeição tem um tema; o deste último foi a moda “Dirty Model Edition”, que explora o lado mais negro da moda.
Os aperitivos foram servidos no passeio fronteiro ao cinema – cocktails e espetadas de camarão espetadas numa das portas da rua. Depois, entrámos, todas as cerca de 70 pessoas, para nos sentarmos nas duas compridas mesas alinhadas na antiga plateia. Todo o cinema está decorado com belíssimos vestidos dos Storytaylors, que contribuem para tornar um deslumbre o estado de decadência da sala. No palco, estão já as equipas de cozinheiros a trabalharem, lideradas por Pascal Meynard, do Ritz, e por Adrien Norwood, um californiano atualmente a trabalhar na Dinamarca.
Na entrada, está em destaque o bar e os seus barmen, que terá uma importância crucial ao longo de todo o jantar, com os spirits a dominarem sobre o vinho (destaco o branco da Herdade do Cebolal, um alentejano de 1998, doce no nariz e seco na boca). Os barmen harmonizaram todo o meu jantar com fantásticos cocktails não alcólicos à base de fruta.
Louvo também a boa dimensão do jantar, com 4 pratos e uma sobremesa. Mais do que isto, começa a tornar-se entediante. Louvo ainda o belíssimo trabalho do chef de mesa e escanção.
Ementa
O prato em vidro reflecte o magnífico tecto de pau-brasil. Atum salgado com limão e vodka e atum albacora (o único de carne branca) com azeitonas e alcaparras fritas e queijo-creme
Ostra, yuzu, alga nori e gengibre (com champanhe Perrier-Jouet, grand brut)
Bife tártaro com sementes de girassol, maçã, alcachofra-de-jerusalém e maionese de alho queimado. Um prato fantástico, para mim de longe o melhor, apelidado de Skinny Bitch.
Beterraba de três maneiras (assada, fresca e em redução), franguinho, kumquat, bagas, aipo, aipo-rábano, óleo de pinhão e molho de pimenta, o Dirty Terry (vejam na net o que quer dizer). Havia ainda uma espécie de árvore com folhas de beterraba desidratadas e umas deliciosas folhas de molho de cogumelos picante desidratado.
Sorvete e creme de mirtilos, pimenta, manjericão e coco (com um verdelho da madeira, Cossart Gordon, 5 anos).
Adrien Norwood e Pascal Meynard, os chefs responsáveis pelo jantar
Tiffany e Armando Ribeiro
Esperam-se mais jantares no Porto. Sigam o FB da Silver Spoon e, se puderem, não percam esta experiência.