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Conversas à Mesa

José Quitério

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Fechou-se um ciclo. Há já uns meses que deixei de abrir a revista do Expresso na antecipação de ler a crónica de José Quitério, de que era leitora quase desde o início.

As curiosidades históricas ou literárias com que dava início às suas famosas crónicas e críticas gastronómicas tinham sempre a mais-valia das referências sociais ou políticas. O vocabulário quiteriano (ou quiteriesco?) carregado de neologismos fez escola e foi imitado por todo o lado, embora só a sua pena lhes desse o sentido e a graça.

Visitou um número incalculável de restaurantes, alguns deles por diversas vezes. Nunca descurou o rigor, nem nos mais humildes, nem nos mais sofisticados. Nunca lhe faltou a sageza de destrinçar critérios e objectivos para cada categoria deles. Quando se sentava à mesa, assumia-se como o cliente típico daquele restaurante em particular.

A reserva era sempre feita em nome de José Sousa. Tão discreta quanto a sua actuação de crítico é a sua pantagruélica cultura literária e histórica, que apenas perpassa pela conversa quando a propósito e de forma natural, nunca com laivos de superioridade erudita. Generoso, emprestou-me livros vezes sem conta e nunca deixou de me ajudar com referências sempre que solicitadas. Conversar à mesa com José Quitério é um dos meus prazeres favoritos. Fala mas também escuta e valoriza. E não foram poucas as vezes em que, pelo país fora, tive o privilégio de o acompanhar como amiga nas suas incursões «restaurativas».

 

Tem empreendimentos. Com a ausência de “toalha, individual ou toalhete”, que considera retrocesso civilizacional. Com os guardanapos de papel em restaurantes com pretensões. Com o tratamento por «você» e com o «boa continuação». Com as fusões e as «misturas espúrias». Com os telemóveis à mesa. Dá preferência à comida com mais transformação, raramente visitando restaurantes onde só servem grelhados. Porém, no geral, é tolerante e bem mais moderno do que conservador.

 

Porém, para lá da crítica gastronómica, o que distingue verdadeiramente José Quitério são os diversos livros que escreveu sobre a alimentação em Portugal. São dos raros livros que contêm informação relevante e fiável sobre alimentação no nosso país. Podemos ter a certeza de que tudo quanto ali se encontra é fruto de pesquisa rigorosíssima. A caminho, está um novo livro da sua autoria.

 

O que seria desejável era que José Quitério não deixasse de contribuir para a nossa gastronomia, das formas que a ele melhor lhe conviessem e aprouvessem. Numa área tão pobre de valores quanto esta, não nos podemos dar ao luxo de perder as suas contribuições.

 

 

Ao Fortunato da Câmara, desejo as maiores felicidades nesta dura tarefa de substituir José Quitério no Expresso. Que afirme o seu estilo próprio para que os leitores continuem a abrir a revista na expectativa de ler a crítica gastronómica.

 

Foto de Mário Cerdeira, em Vila Real

 

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