O BASCO ENEKO EM LISBOA
Os sons fascinam-me. O arranhar dos rr, os kk que mais parecem muros ou paredes, as combinações de consoantes que nos são estranhas. A língua dos bascos é bem mais estranha para nós do que a sua comida. Grandes pescadores de bacalhau como nós, parecem ter chegado até à América onde mantinham secretos os seus bancos. Pescadores de baleias como nós fomos nos Açores. Até têm um vinho levemente gasoso, muito ácido e pouco alcoólico como o nosso verde, o txakoli. Um basco, Eneko Atxa, tem vindo a abrir uma rede de restaurantes inspirados no seu 3 estrelas Michelin, o Azurmendi: Londres, Larrabetzu, Tóquio e Bilbau e o Eneko Lisboa. E abriu num local icónico para os portugueses: no antigo Alcântara-Café, um maravilhoso espaço industrial que mantém a decoração clássica. Pegado com o restaurante, uma tabernas basca, o Basque, que ainda não frequentei. Os menus de degustação têm aqueles nomes bascos que nos lembram mar aberto e aventura: Erroak (Raízes) e Adarrak (Ramificações). Eu experimentei o primeiro, um conjunto de pratos emblemáticos do chef Eneko, a montra dos produtos amados pelos bascos. Quando Eneko afirma que os seus restaurantes servem comida basca com influências locais, aqui não se chegam a notar porque os nossos produtos e até as nossas confecções acabam por ser muito semelhantes, e o menu de degustação Raízes podia ser quase todo nosso. Quando entrei à hora certa que havia marcado, esperava-me a cesta do piquenique na sala de entrada, acompanhada de um copo de txacoli, o vinho branco seco gasoso e pouco alcoólico, típico do País Basco. É uma emoção voltar a entrar na sala do antigo Alcântara-café, que manteve o seu brilho. Na cozinha de finalização à vista, onde tudo se passa sem qualquer barulho, meia dúzia de cozinheiros, todos eles de cabelo cortado e em geral glabros, são comandados pelo chef residente, o brasileiro Lucas Bernardes. Por ele passa tudo quanto vai para a mesa, vindo da cozinha interior ou da cozinha de finalização. A sua atenção aos pratos e à sala é permanente e muito focada; a sua simpatia, imensa. O serviço de sala é formal e discreto, mas cortês e eficiente. A refeição decorreu sempre a bom ritmo, os produtos são todos exemplares. Gostei especialmente de um prato, as castañetas, que não fazia parte da minha ementa mas que, a meu pedido, foi simpaticamente trocado pelo pombo. A salientar: O txakoli marinho da entrada, uma infusão deste vinho com ervas e algas marinhas vale a refeição. Parece que encontraram uma bebida que cura tudo, sobretudo as aflições da alma e que ainda por cima tem um sabor incrível, diferente de tudo o que já provei. Depois o prato denominado Camarões da costa, gel vegetal e granizado de tomate velho (um tomate maturado). Ainda o prato vinha a um metro de mim, já eu sentia o aroma do camarão e do mar. Para mais, o aspecto é lindíssimo. Finalmente, as castañetas (ou castañuelas), de sabor intenso e textura completamente diferente daquilo que conheço. São as glândulas salivares do porco, neste caso ibérico, muito populares na Andaluzia e já servidos por Adrià no El Bulli. Fiquei fã da textura gelatinosa.
O que notei na maioria dos pratos foi a intensificação extrema dos sabores. Esta resulta do lento apurar dos sucos dos ingredientes através do luxo do uso de tempos prolongados.
Não fiz a harmonização com os vinhos. Comecei a refeição com um copo de txacoli e continuei com um Barão de B, reserva de 2017, Herdade da Calada, com uma textura semelhante à do Chardonnay mas mais leve (Antão Vaz).
Uma visita que vale a pena fazer pela comida, pelo espaço, pelo serviço.
O piquenique
PRALINÉ DE COGUMELOS / ERVA-PRÍNCIPE / TXAKOLI MARINHO
TÁRTARO vegetal, óleo de caviar e emulsão de plantas e flores
CAMARÕES da costa, gel vegetal e granizado de tomate “velho”
LAVAGANTE assado e descascado, molho, manteiga de café e cebola roxa de Zalla
SALMONETE em dois serviços: braseado e assado, molho de pimentos vermelhos no carvão e ervas
CARRÉ de Cordeiro com shimeji e couve-flor em duas formas, caviar e pil pil
CASTAÑETA de porco ibérico e caldo de legumes montado
ABACATE e manga
AZEITONA PRETA, leite de ovelha e cacau
PETIT FOURS
O chef Lucas Bernard, super profissional e simpático
ENEKO LISBOA
R. Maria Luísa Holstein 15
1300-388 Lisboa
Fecha ao Domingo e à Segunda e só abre para jantares
Tel: 21 583 3275