O FUTURO DO TAVARES
Mais uma vez o restaurante Tavares muda de mãos. Ninguém sabia verdadeiramente se estava aberto, porque a comunicação social o ignorava completamente nestes dois ultimos anos. Não foram uma nem duas as vezes que lá passei de propósito para confirmar que o restaurante ainda respirava. Agora passou para as mãos do Grupo Multifood, o mesmo do Alma, do Pesca, do Tapisco e da Sala de Corte, Vitaminas e Honorato. Rui Sanches, dono do grupo, afirmou, qual chinês, que o restaurante não ia sofrer modificações. Para já, claro, enquanto provavelmente o grupo escolhe o destino que lhe há-de dar.
A decoração do Tavares não é sacrossanta, pode ser mudada. Aquele excesso de talha, a repercutir a vizinha igreja de S. Roque, não é eterno. Os espelhos cuja missão é aumentar o espaço um pouco estreito do restaurante, idem (talha e espelhos datam da renovação de 1903, feita por Manuel Caldeira). Os lustres são de aquisição recente (1956). Essencial, é o aproveitamento do primeiro andar (muito bonito, tirando as pinturas, que são terríveis). Também não é obrigatório fazer ali um restaurante de fine dining, serai até interessante ver surgr um conceito inesperado. O que é importante no Tavares é o espaço emocional, toda a história que ali se desenrolou, com mais ou menos dramas.
Desejo a Rui Sanches toda a sabedoria para conseguir transformar o Tavares conservando todas essas memórias. Enretanto aqui fica o post que escrevi há uns anitos sobre o Tavares.
Na época de Peudennier
Um reservado do Tavares (principio do século XX)
O abre-fecha do Tavares é uma constante na sua história de muito mais de 200 anos. Mortes dos proprietários e falências são as causas top 2 do seu encerramento periódico. A compulsão para a reabertura acaba sempre por se impor, e lá vai aparecendo quem lhe devolve o esplendor. Haja esperança no fascínio que esta casa sempre exerceu, fruto quiçá do brilho das suas talhas e das suas pequenas histórias.
Ser antigo tem, algumas vezes, as suas vantagens. Ser antiga permitiu-me ter comido no Tavares Rico algumas vezes ao longo dos anos 60 e princípio dos anos 70, à mesa dos meus pais que achavam que aprender a comer fazia parte da educação das filhas. Depois tanto eu como o Tavares tivemos períodos menos abastados e só regressei às suas mesas no tempo do Peudennier, altura em que fiz com Martim Cabral um programa para a SIC sobre este restaurante. Segui depois o Tavares do Avillez e do Aimé Barroyer, grande chef e grande homem que antevejo irá encontrar rumo próprio muito em breve e a quem desejo as maiores felicidades.
A mensagem que aqui vos quero deixar é de esperança, o Tavares há-de reabrir ainda com mais glória. Sempre foi assim e assim há-de ser, é mesmo uma afirmação de fé. Em 21 de Janeiro de 1956, O Cronista (jornal que se publicou quinzenalmente a partir 5 de Junho de 1954, passando a semanal em 4 de Fevereiro de 1956 até 1958) dedicava um artigo à Reabertura do Tavares, mais uma com novos proprietários e com um «serão literário e mundano» dos Amigos de Lisboa onde se encontravam figuras como Matos Sequeira, Ramada Curto, Luís de Oliveira Guimarães, um dos colaboradores do jornal, e até Gago Coutinho, já de provecta idade.
Como sempre, a curiosidade ia para a decoração. Como estaria? Teriam tirado as talhas douradas?
«[...]os lisboetas supuseram que a sua decoração interior seria totalmente remodelada sob os impulsos de uma ânsia de modernismo, sem carácter apropriado e inconfundível. Felizmente tal não sucedeu. O bom senso e o bom gosto, a elegância e o equilíbrio, prevaleceram sobre as inovações da arte decorativa moderna, que nem sempre são inteiramente satisfatórias.»
Prossegue O Cronista apontando que se manteve o estilo «tendo-se apenas substituído os lustres e os candelabros por outros mais ricos e mais luminosos.»
Entre os entreténs de recorte mais ou menos literário dessa noite, declamou-se um soneto intitulado Tavares Rico, do poeta Cardoso Martha (ver nota em baixo), que rezava assim:
«Cento e setenta e dois já vais contar.
Um parabém, e por aqui me fico.
Por ti passou muitíssimo bom “bico”
E outros muito ainda hão-de passar.
Quem tiver bom ouvido, há-de escutar
Nos silêncios da sala, o verbo rico
Do Eça, do Junqueiro (e até do Erico)
Que bons pitéus cá vinham empançar
Almas dos que lá vão! Ficai sabendo
(se é que não estais aqui e nos estais vendo)
que o Tavares abre hoje as suas portas.
Faço votos, ilustre companhia
Que, como outrora, saia a freguesia
Bem comida e bem bebida e a horas mortas.
O Tavares não fica por aqui. Há-de voltar em toda a sua glória e, como afirmou Martha,
Por ti passou muitíssimo bom “bico”
E outros muito ainda hão-de passar.