ONDE ESTÁ A DIETA MEDITERRÂNICA?
Foi uma criação de um norte-americano, Ancel Keyes, que disse tê-la encontrado na Europa das costa mediterrânica, nomeadamente na ilha de Creta, onde parecia ter atingido a perfeição.
Definiu-a como uma forma de alimentação que incluía certos produtos existentes há mais ou menos tempo nestas regiões, nomeadamente o azeite, o vinho e o pão; por outro lado, caracterizava-se pelo uso escasso de proteína, sobretudo das
carnes, pela riqueza em legumes. Essencial era também a forma como se comia, sendo a convivialidade em torno da mesa muito importante para os seus bons resultados no campo da saúde.
Estávamos no pós-guerra, na década de 50, e a abundância caracterizava a alimentação. Os americanos começavam a ter problemas de obesidade e vergavam-se ao império da fast food. A Keyes pareceu idílica a frugalidade mediterrânica, um pouco mais tarde, pareceu proveitosa esta ideia aos povos o Sul da Europa que conseguiram recentemente transformar a dieta mediterrânica em património imaterial da humanidade. Portugal foi um dos países signatários, um dos que se assumiu como praticante desse código alimentar.
Por estes dias, com os novos dados estatísticos resultantes do Inquérito Alimentar Nacional e de Actividade Física, constatámos um pouco brutalmente aquilo que já há muito sabíamos, sem querer saber. Defendíamo-nos com a convivialidade e com a sopa e o peixe, com o vinho e o azeite. Ficámos a saber que a dieta mediterrânica não mora aqui. Em primeiro lugar, comemos proteína em excesso, e da pior: carne em excesso. Alheada durante muitos anos da mesa dos mais pobres, a carne ganhou tal prestígio que, assim que o seu preço a tornou acessível (sobretudo sob a forma moída: veja-se que o hambúrguer é um “bife”) passou a presença assídua no prato. O bom peixe atlântico desapareceu desse mesmo prato, levado por uma carestia insustetável. Hoje, mesmo uma bolsa média só alcança peixe de aquicultura que não é nosso, mas sim de más proveniências, com muitas gorduras e poucos benefícios para os malefícios que traz. Legumes não comemos, dão trabalho a arranjar e custam muito dinheiro e tempo, do qual hoje o cozinheiro doméstico não dispõe, são pouco saciantes e deles estão ausentes os sabores básicos (salgados e doces). Ainda comemos sopa, sim, é verdade, mas salgamo-la tanto que acabamos por torná-la contraproducente para a saúde. Ah, mas usamos o azeite, uma gordura que há pouco tempo foi considerada saudável, depois de ter ganho a batalha às margarinas defendidas pela indústria e seus sequazes. Mas também abusamos dele. O pão, tão mediterrânico, é bom, mas consumido sem gorduras e proteínas no seu interior. E sem a quantidade de sal que lhe colocamos. Há hoje um louvável esforço em curso para reduzir a quantidade do sal no pão. Infelizmente, o pão anda mau, feito com maus cereais e muito processado, recheado de melhorantes. Se lhe tirarmos o sal, fica sem qualquer sabor.
O que vemos à nossa volta é que o sabor de muitos produtos está ausente, por isso tem de ser compensado pelo excesso de sal.
A obesidade ronda-nos, não já no escuro, mas às claras e descaradamente. E o pior de tudo é que uma das zonas do país com maior grau de obesidade é justamente o Alentejo, a região da dieta mediterrânica por excelência.
Nada disto acontece porque o nosso povo tenha perdido o gosto pela boa comida, mas sim porque simplesmente não tem poder de compra para comer bem. Com a entrada maciça da mulher no mercado de trabalho deixou de haver disponibilidade para alguém cozinhar em casa, com produtos não processados. A indústria alimentar consegue fornecer refeições prontas ou semiprontas mais baratas do que as feitas a partir de produtos frescos. O facto de a nossa alimentação ser, desde tempos imemoriais, baseada em produtos de conservação, provenientes da salga, ou da salga, da salmoura e do fumo, como enchidos, bacalhau e outros peixes salgados e secos, predispôs-nos para o uso dos novos produtos processados com muito sal, que serve para mascarar a falta de qualidade e sabor.
Para revertermos todo este caminho não basta a tarefa árdua de reeducar mentalidades. Também é preciso poder de compra. Porque a alimentação saudável, mesmo a mediterrânica, é dispendiosa em tempo e em dinheiro. A convivialidade fica para outra ocasião.
EM CIMA NA IMAGEM, DESCUBRA O PÃO; O AZEITE E O VINHO