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Conversas à Mesa

OVOS MEXIDOS PERFEITOS E JÚLIO CÉSAR MACHADO

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De médico, de cozinheiro, de crítico gastronómico e de louco, todos temos um pouco. Quem é que não tem sempre «a melhor receita de...» ou «conhece o sítio onde se come o melhor...». Mas não é coisa de hoje. Os intelectuais do século XIX adoravam meter-se na cozinha, de casa e dos restaurantes, para também ali mostrarem a sua criatividade.

De tal forma esta atividade era intensa que um dos livros de cozinha mais populares da época, o Cozinheiro dos Cozinheiros, está recheado de receitas de intelectuais cozinheiros, como Bulhão Pato, Ramalho Ortigão e Júlio César Machado, de quem hoje vamos falar. A receita com que o escritor colabora no livro citado é de uma caldeirada que tem a actualidade do tempo de confecção proposto para o peixe e moluscos: cinco minutos, numa época em que ainda se coziam lagostas durante 1 hora.

No jornal O cronista de 05/05/1956, Alfredo de Morais, o primeiro grande crítico de gastronomia português, uma espécie do nosso Curnonski, escreveu sobre Júlio César Machado e deu a receita de um prato simples e muito bom que teria sido feito em sua casa, os ovos mexidos perfeitos.

Hoje Júlio César Machado talvez seja mais conhecido pela fotografia em que aparece paramentado de cozinheiro do que pela sua actividade de escritor e folhetinista/cronista e é pena. Nascido no concelho do Bombarral em 1835, era descrito pelos seus contemporâneos como homem de bom coração e grande disposição. À época, importáramos a moda francesa do folhetim/crónica, um cruzamento entre jornalismo e literatura, que deu de comer a muito boa gente, tão boa quanto Eça de Queirós e Camilo Castelo Branco. JCM folhetinou sobretudo em redor do teatro, primeiro em A Revolução de Setembro, depois no Diário de notícias, dedicando-se à actividade teatral de Lisboa em meados de oitocentos.

Dele disse Camilo Castelo Branco: «Júlio César Machado tinha a clara e fluente linguagem que o género requer; tinha ironias e remoques comedidos, como a cortesania manda; realçava no bem discernir o quilate das óperas cantadas, do cantor louvável, e do actor inteligente; achava de pronto as finas pedras do livro novo e assoprava mui delicadamente o cisco em que se deslapidavam, de jeito e modo que não fosse incomodar os olhos do autor. Estes felizes atributos deram ao folhetinista de diversos jornais um bem ganhado e soado nome».

JCM suicidou-se após o suicídio do filho e pouco antes do de Camilo Castelo Branco.

 

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Aqui fica a receita citada por Alfredo de Morais dos ovos mexidos perfeitos, confeccionados por JCM para o barão de Roussado.

 

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Desde que conheci esta receita, nunca faço os ovos mexidos de outra maneira. A cremosidade que lhe empresta a manteiga é bem melhor do que as habituais natas ou leite. Acrescento eu da minha lavra à receita: o segredo para uns ovos mais cremosos está em pender para as gemas.

 

A receita que fiz

Para 1 pessoa: 2 ovos e uma gema. Coloco uma colher rasa de manteiga amolecida na tigela, junto os ovos e bato tudo junto com um garfo. No fim, uma pitada de sal. Unto a frigideira com manteiga e levo a lume esperto. Quando estiver quente, deito os ovos. Deixo prender um pouco sem lhes tocar. Depois mexo com uma espátula. Sessenta a 90 segundos depois, tiram-se do lume, mexem-se uns segundos pelo caminho para o prato e deitam-se de imediato. Polvilham-se com pimenta preta e devoram-se. São perfeitos.

 

 

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Dois ovos inteiros e uma gema

 

 

 

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O momento exacto para tirar a frigideira do lume

 

 

 

 

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E novamente os ovos mexidos de Júlio César Machado 

 

 

 

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