SER BACALHAU NÃO BASTA
Há, hoje, no nosso país, diversos restaurantes com o bacalhau enquanto monoproduto. Um dos mais antigos, o Laurentina, continua muito bom, explorando modos tradicionais de comer o rei dos peixes, como a célebre e magnífica couvada, enquanto alguns que vêm surgindo são de má qualidade.
. A base para um restaurante de bacalhau é a qualidade do dito. A Bacalhoaria usa bacalhau da Islândia, na sua maioria sedentário devido à abundância da alimentação. Na Noruega também existe este bacalhau que não migra, embora na Islândia se encontre em maior quantidade. Por outro lado, importa também o modo como o bacalhau é pescado. Ficaremos sempre mais bem servidos com um bacalhau pescado à linha do que com o mesmo peixe pescado na rede, onde acaba por ser comprimido pelo peso dos outros, com prejuízo para a textura final.
Mas ser bacalhau não basta. Conseguido um bom bacalhau com cura portuguesa, há que saber tratá-lo e confecioná-lo, tendo sempre atenção para o não deixar perder colagénio. A chef Ana Moura trabalha-o em algumas versões contemporâneas que sempre foram a sua identidade, nomeadamente no Cave 23, mas também em matrizes tradicionais. O que nunca mudou em todos os pratos que comi foi o rigor dos tempos da sua cozedura, apresentando-se o fiel amigo sempre em todo o seu esplendor textural. razões que me levaram a tornar A bacalhoaria o meu fiel restaurante de bacalhau (caramba, tenho sempre esta vontade de copiar o José Quitério e falar no gadídeo, mas por respeito, reprimo: é mesmo coisa dele).
Gostei especialmente do Cachaço de bacalhau com couves, estragão e tomate (foto da entrada do post). A combinação original do bacalhau com o estragão estranha-se na primeira garfada, mas rapidamente o palato o aceita e com ela se agrada. Além de que esta peça do bacalhau (como, aliás em todos os animais) é sempre mais gorda e, consequentemente, mais saborosa. Um prato com uma apresentação muito tradicional e que aconselho a quem vai pela primeira vez (e pelas seguintes também). Um prato que pode vir a tornar-se um clássico da nossa cozinha. Atenção porque tirando este prato, todos os outros surgem na fotografia em quantidade de menu de degustação, porção bem menor do que a do prato normal da ementa.
Línguas de bacalhau com gema de ovo
Tártaro de bacalhau com salada de agrião e picles de cebola-roxa
Outro favorito foi as Línguas de bacalhau com gema de ovo (uma espécie de pilpil ou emulsão do colagénio do bacalhau). Nele encontrei o sabor da alma do bacalhau, a sua essência. Se alguém me perguntasse “A que sabe o bacalhau” eu responderia com este prato de Ana Moura. Fresco e leve, a versão da punheta é o Tártaro de bacalhau com salada de agrião e picles de cebola-roxa, em que a salada refresca pela leveza e os picles, pela acidez.
Lombo de bacalhau assado com couves-de-bruxelas,
chalotas e molho de galinha assada
Provei ainda o Lombo de bacalhau assado com couves-de-bruxelas, chalotas e molho de galinha assada, em que o bacalhau prova que não é carne nem é peixe e se aguenta com o sabor terra do molho de carne.
Dos pratos que experimentei agradou-me menos um dos tradicionais, o Bacalhau à Brás. Neste prato, espera-se distinguir várias texturas, a cremosa do ovo, a crocante da batata palha e a resistência do bacalhau. No que provei, as três coisas estavam incorporadas numa espécie de pasta de textura única, ainda que, muito correctamente, tenham sido acrescentadas algumas batatas sem as misturar, a fim de não perderem a textura.
Torta de laranja moscatel e rum, Mousse de chocolate preto com chocolate branco e amendoim e Tarte de queijo e toffee
A terminar, provei três sobremesas. Uma boa Torta de laranja moscatel e rum, uma riquíssima Mousse de chocolate preto com chocolate branco e amendoim e aminha preferida, a Tarte de queijo e toffee.
Na ementa há ainda mais pratos de bacalhau, como os tradicionais Açorda de bacalhau e o Bacalhau com grão e broa. Fora do bacalhau há ainda pratos vegetarianos e um prato de Leitão com batata frita e salada e um Bife com batatas fritas e pimentos.
O couvert tem uma óptima brandade para barrar no pão e um pastelinho de bacalhau exemplar. acho que a casa devia ter um prato de pastéis de bacalhau, é essencial.
A sala é muito bonita e confortável, leve sem ser minimalista, com os bacalhaus escalados do Bordallo Pinheiro a nadarem nas paredes azul de mar profundo. A cozinha é à vista e só é habitada por mulheres (um trio de cozinheiras). As mesas estão agradavelmente separadas, as cadeiras, muito confortáveis, tendo o restaurante pouco mais de 40 lugares. Na entrada, um bar redondo convida-nos a tomar uma bebida antes do jantar, mas também reserva alguns assentos para quem, como eu, adora comer sozinha ao balcão. Um boa opção que hoje raramente se vê. A decoração da casa esteve a cargo da proprietária, Susana Almeida e Sousa, arquitecta de profissão.
A chef Ana Moura com a sua equipa
O bar onde se pode sentar para comer.
A sala (esta foto é do FB da Bacalhoaria, crédito Francisco Van Zeller)
Ao almoço, de segunda a sexta, há um menu especial que inclui couvert, sopa ou sobremesa, prato principal e uma bebida (que pode ser um copo de vinho) por 16,50.
Bacalhoaria Moderna
Rua de São Sebastião da Pedreira, 150, Lisboa
Tel: 216053208
Fecha aos Domingo e às Segundas